“E no sétimo dia, Deus ficou exausto porque trabalhou enquanto todo mundo dormia”
O Inchaço da Positividade: A Nova Epidemia
Acabei de ler Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han, e a tradução do título para o português me parece inadequada. Se fosse traduzir, optaria por algo como Sociedade da Exaustão, porque, para Han, o cansaço não é um mal em si – ele pode, na verdade, ser algo bom.
Segundo Han, superamos as eras das doenças bacterianas e virais e agora vivemos na era das doenças neurológicas. Essas doenças não são infecciosas, mas o problema está no inchaço da positividade. Estamos constantemente tentando responder a todos os estímulos que nos bombardeiam. Esse comportamento nos impede de desenvolver uma espiritualidade plena. Qual é a solução? Abraçar o Cansaço Fundamental e cultivar uma vida contemplativa.
O Cansaço Fundamental: A Solução Está na Calma
Na Newsletter anterior, falei sobre o descanso de uma forma que pode parecer estranha para o mundo moderno. A maioria de nós entende descanso como “fazer nada”. Mas veja como a tradição antiga o tratava:
“No Oriente Próximo antigo, descanso significava resolução de crises – o momento em que a poeira baixava. Descanso significava não haver mais obstáculos a serem resolvidos, um trabalho livre de resistência ou dificuldade. Podemos concluir, então, que descansar tem a ver com deixar a casa em ordem, resolver o que precisa ser resolvido, ao invés de buscar algo intangível e material que ainda não existe.”
Agora, pense nisso à luz da sociedade em que vivemos, onde a liberdade individual parece ser o objetivo final. Como Han observa, a exaustão que sentimos está profundamente ligada ao nosso instinto de reagir a tudo imediatamente. Em um mundo onde superamos muitas ameaças externas, o ego se depara com ele mesmo. As doenças neurológicas funcionam em um mecanismo de saturação e exaustão – uma positividade excessiva. Temos que lidar com um excesso de possibilidades e expectativas.
Han defende uma vita contemplativa, apoiada por pensadores como Cícero, Hannah Arendt e até Nietzsche, que viam valor na não-atividade, na capacidade de simplesmente contemplar. Não fazer nada é, paradoxalmente, o ápice da atividade. Encontrar a solidão é, na verdade, desvendar a verdadeira companhia.
Cícero, por exemplo, dizia que a vida ativa não é o que dá sentido à existência, mas sim a vida contemplativa. Arendt também defendia isso, afirmando que o frenesi da atividade é o que constrói as patologias mentais de hoje.
A primeira disciplina espiritual, então, é aprender a absorver um estímulo e não reagir imediatamente. O Cansaço Fundamental nos ajuda a colocar a vida em perspectiva. Ele nos permite parar, respirar, e ver a realidade sob uma nova luz, tornando até o que é comum mais belo.
Crianças Cansadas: O Que Podemos Aprender com Elas?
Peter Handke, citado por Han, faz uma observação sobre crianças cansadas. Ele percebe que, à medida que ficam mais cansadas, elas se apegam menos às coisas, desejam menos, e se tornam mais relaxadas e brincalhonas. É uma lição que todos nós poderíamos aprender.
Karl Barth afirmou que a coroa da criação não é a humanidade, como muitos cristãos acreditam, mas sim o descanso. Descansar é declarar que a atividade chegou ao fim. É uma pausa para observar o que foi feito e contemplar o mundo à nossa volta – inclusive as pessoas ao nosso redor. Han vai além e diz que o cansaço é um portal para a comunhão: é quando estamos cansados que realmente apreciamos as pessoas e as coisas à nossa volta. 🤯 O sábado, por exemplo, foi declarado sagrado não para que algo fosse feito, mas para que o “nada” fosse apreciado. O Sabath é um dia para o cansaço.
Conclusão cansada
Antes de terminar esse texto, assisti a um vídeo do Pondé (linkei ele abaixo) falando sobre o livro, e ele me lembrou de algo muito importante: as soluções oferecidas pela autoajuda e conteúdos motivacionais na verdade só nos empurram mais para o precipício da exaustão. Raramente a dica é parar e contemplar; na maioria das vezes, é um incentivo a continuar, mesmo quando não temos mais energias. Esse foi um dos maiores motivos que me levou a largar redes sociais como Instagram e TikTok. O descanso e a vida contemplativa são, de fato, uma contradição para esses meios de comunicação.
A fadiga é um marcador importante e essencial para o nosso organismo. Ultimamente, tenho me preocupado cada vez mais com a maneira como a exaustão tem sido glorificada em nossos dias, tratada como um sinal de produtividade e funcionalidade. Isso me lembra, de forma perturbadora, aquele cristianismo fortemente influenciado pelo platonismo, que via o corpo e o mundo material como algo maligno, algo a ser silenciado na busca pela transcendência espiritual. No evangelho do capital, essa transcendência é alcança pelo flagelo do trabalho até a exaustão.
Quem nos salvará desse evangelho?
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Achados nas interwebs
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Sala de espera é uma playlist que combina músicas que me inspiram enquanto continuo na caminhada, especialmente enquanto espero. Atualizo a playlist sempre então vale a pena seguir! :)
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Em Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han analisa como a pressão por produtividade e positividade excessiva está nos levando à exaustão. Ele propõe uma reflexão sobre a importância do descanso e da vida contemplativa em um mundo que valoriza o excesso. Um livro essencial para quem busca entender os desafios mentais da era moderna.
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Se você não é muito uma pessoa que lê, sugiro ouvir o audiobook Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han no Spotify. É uma excelente opção para entender como a nossa sociedade está sofrendo com a exaustão causada pelo excesso de positividade e pela incapacidade de desacelerar.
❤️
Você é Aquilo que Ama de James K. A. Smith mostra como nossos desejos moldam quem somos. Ele afirma que o discipulado deve focar em reorientar nossos amores e hábitos, não apenas em transmitir conhecimento.

