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Recentemente, tenho pensado frequentemente sobre tecnologia e o impacto dela em nossas vidas. Gosto de acreditar que minha reflexão é de natureza filosófica — afinal, me faltam o arcabouço técnico e científico para lidar com um tema tão sensível e complexo. Minha observação parte da relação que temos com a tecnologia, eu sendo tanto o usuário quanto o observador, enquanto exploro cada vez mais as inteligências artificiais, especialmente as LLMs (Large Language Models, ou Grandes Modelos de Linguagem).
À medida que me convenço de que o futuro inevitavelmente envolverá a implementação total das IAs, tenho feito um exercício de empatia comigo mesmo, refletindo sobre a maneira como lidamos com essas ferramentas. Minha interação com essas inteligências que tentam imitar o jeito humano me faz refletir sobre meu lugar no mundo — como uma “ferramenta” que ainda não se tornou obsoleta. Por enquanto.
Toda vez que alguém me pede para realizar uma tarefa, percebo que, na maioria das vezes, a pessoa raramente entende o que está por trás do seu pedido, e menos ainda me enxerga como pessoa. Especialmente hoje, com o home office tão difundido, eu sou apenas um contato do outro lado de uma tela, uma “entidade” que entrega arquivos. Quem contrata geralmente envia um briefing que mal pode ser chamado de briefing e espera que a inteligência do outro lado, seja ela humana ou não, entregue algo que corresponda às suas expectativas (ou à sua falta de clareza).
E é exatamente assim que lido com as IAs generativas. Sou alguém que pede que aquela ferramenta mágica responda aos meus prompts (leia aqui briefings, ou ordens) que, na maioria das vezes, são ambíguos e desprovidos de clareza. Quando a resposta da IA não me satisfaz, simplesmente clico em “refazer” ou reformulo o prompt até que a resposta atinja o nível que desejo. Entendo muito pouco sobre o funcionamento interno da IA, e para mim ela é só isso — uma ferramenta, um robô.
Talvez meu exercício de empatia esteja num limiar perigoso, quase à beira do precipício, mas não consigo evitar: trato a IA exatamente como muitas vezes sou tratado — uma inteligência que precisa me entregar algo porque eu pago por isso. E, se não entregar o que quero, peço para refazer, como se a atividade fosse algo simplório. Será que nossa maneira de lidar com essas inteligências está mudando a forma como lidamos com as pessoas, ou será que isso apenas revela como já tratávamos uns aos outros?
O avanço da tecnologia não me fez sentir melhor em relação ao meu trabalho ou às pessoas ao meu redor. E, às vezes, acho que até afetou de forma negativa a maneira como vejo o mundo.
Isso me faz lembrar de um livro que li (e preciso reler) há alguns anos . Em O Mal-Estar na Civilização, nos anos 1930, Freud observa algo interessante sobre o progresso tecnológico e nossa relação com a realidade.
Através da tecnologia o ser humano superou limitações físicas, e abriram a possibilidade para que pudéssemos realizar feitos que até então seriam atributos reservados às divindades. Se os Deuses eram onipresentes, a evolução do transporte que nos levaram a qualquer lugar do mundo em horas numa rapidez surpreendente nos fez parecidos com essas divindades. Se essa entidades supremas eram oniscientes, agora podemos acessar o twitter e saber o que está acontecendo nesse momento em qualquer lugar do mundo enquanto o fato acontece. Se a nossa vista nos impede de ver o mundo celular, temos os microscópios. Não podemos ver de perto as estrelas? enviamos sondas espaciais parar o Espaço profundo. Temos dificuldade de enxergar? Os nossos óculos nos ajudarão nessa tarefa. Raras são as limitações que a tecnologia não nos auxilia a superar.
E, mesmo com todas essas conquistas, Freud aponta que a humanidade não consegue se livrar desse mal-estar. Pelo contrário, parece se sentir ainda pior, e o progresso tecnológico, em vez de nos libertar, cria novos problemas, talvez até mais complexos do que aqueles que enfrentávamos antes.
E, enfim, de que nos vale uma vida mais longa, se ela for penosa, pobre em alegrias e tão plena de dores que só poderemos saudar a morte como uma redenção?
Superamos os deuses, afirma o célebre psicanalista. Afinal, os deuses eram apenas projeções do desejo humano — refletiam nossa ânsia por transcender as limitações. Hoje, nos tornamos “deuses protéticos,” criaturas admiravelmente aprimoradas com nossos “órgãos auxiliares,” como descreve brilhantemente Freud.
Não há necessidade de ponderar com tanto esforço para reconhecer os aspecto quase que oracular contido nas páginas daquele livro.
Minha intenção era manter essa newsletter breve, mas falhei novamente. Fico agradecido a você que chegou até aqui.
Apesar disso, posso expandir essa reflexão nas próximas newsletters.
Penso que se tornar um Deus Prostético não basta; por mais que superemos nossas limitações, não conseguiremos extinguir as chamas do incômodo existencial.
Talvez, então, estejamos pavimentando o caminho para o “deus sintético” — aquele que responde às nossas orações (leia aqui prompts) e nos dá tudo aquilo que pedimos ou imaginamos.
Aquele que tem ouvidos, ouça.
Achados nas interwebs
☕️
Sala de espera é uma playlist que combina músicas que me inspiram enquanto continuo na caminhada, especialmente enquanto espero. Atualizo a playlist sempre então vale a pena seguir! :)
🎙️
A oração e a saúde da alma é a mensagem que o Ed René Kivitz pregou na ibab no dia 29 de Setembro de 2024. É um chamado de volta àqueles que esqueceram da importância da oração na nossa vida pra lidar com o cotidiano. Dica: ajuda a reordenar o coração.
❤️
Em O Mal-Estar na Civilização, Freud explora a tensão entre os desejos humanos individuais e as exigências de ordem e repressão da sociedade. Para ele, a civilização exige que reprimamos nossos impulsos e instintos mais básicos, especialmente aqueles relacionados ao prazer e à agressão, para vivermos em sociedade.
